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Nove entre dez brasileiros dizem que seu sucesso financeiro se deve a Deus, mostra pesquisa Datafolha.
A porcentagem supera 90% entre os religiosos, é de 70% entre os sem religião e aparece até mesmo entre os que se declaram ateus: 23% concordam com a declaração.
Quanto menor a escolaridade e menor a renda, maior a gratidão a Deus pelas conquistas terrenas.
Ainda assim, são 77% os graduados que atribuem responsabilidade divina às finanças, e 7 entre 10 entre os que têm renda mensal acima de 10 salários mínimos (R$ 8.800, pelo valor atual).
DINHEIRO DOS OUTROS
A disparidade de opinião entre os mais e menos escolarizados, ou entre os mais e menos ricos, fica ainda mais ampla quando se trata do dinheiro dos outros.
Um terço de quem fez até o ensino fundamental e 28% dos que ganham até R$ 1.760 por mês concordam com a frase “As pessoas pobres, em geral, não têm fé em Deus, e por isso não conseguem sair dessa situação”.
Em contraposição, são apenas 9% os graduados que atribuem pobreza à falta de fé, mesmo índice dos que ganham mais de R$ 8.800.
O Datafolha ouviu 2.828 brasileiros maiores de 16 anos selecionados por sorteio aleatório, em amostragem representativa da população.
Feita em 174 municípios, a pesquisa tem margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos (nível de confiança de 95%).
RELIGIÃO E ECONOMIA
As origens da pobreza e as soluções para ela são vistas de forma diferente pelos dois principais grupos cristãos do país: católicos e evangélicos –termo que, no Brasil, designa os protestantes históricos, os pentecostais e os neopentecostais.
Há uma parcela maior (28%) de evangélicos que acham que é a falta de fé em Deus que impede os pobres de deixarem essa condição.
E enquanto a caridade é a solução mais citada pelos católicos, para os evangélicos a melhor saída para os pobres é levá-los para a igreja, segundo pesquisa do Instituto Pew com 2.000 brasileiros.
A prática, porém, é outra, mostram os dados. Os protestantes são mais ativos não apenas em arrebanhar fiéis para suas igrejas (43% deles, contra 14% dos católicos).
Eles também fazem mais caridade (63%, contra 45% dos católicos) e suas igrejas ajudam a achar emprego para seus membros (56%, contra 35% dos católicos).
NOVO CAPITALISMO
“Os evangélicos estão muito mais conectados com a experiência cotidiana”, diz o professor de antropologia da Unicamp e pesquisador do Cebrap Ronaldo de Almeida.
“Essa ligação com a vida prática gera ânimo, disposição, e isso não é pouca coisa, principalmente num momento de crise”, afirma Almeida.
Assim como o protestantismo foi capaz de apoiar o progresso financeiro e o lucro no início da modernidade, as religiões evangélicas conseguiram atualizar seus costumes e hábitos para se adaptar ao novo capitalismo mundial.
“O discurso de que os fiéis são capazes de ‘se virar’, virar patrões de si mesmos, cria um outro ‘éthos’ adequado a momentos de precariedade.”
A Igreja Universal do Reino de Deus, que reúne 8% dos evangélicos, organiza cursos de empreendedorismo e programas de geração de renda: a maioria absoluta (57%) de seus membros ganha até dois salários mínimos por mês.
A Universal é a maior representante do grupo neopentecostal, cuja teologia da prosperidade defende o sucesso material nesta vida como bênção divina, que é estimulada pelo dízimo.
Apesar de ter parcela maior de fiéis mais pobres, a Universal é a que recebe o maior valor médio mensal de seus membros, segundo a pesquisa Datafolha.
São R$ 96,5 por mês, contra R$ 70,3 da Assembleia de Deus (21% dos evangélicos) e R$ 95,8 dos batistas (segunda maior igreja evangélica, com 13% desse grupo).