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quarta-feira, 2 de março de 2016

20 ANOS SEM MAMONAS

TRUPE, QUE VENDEU MILHÕES DE DISCOS, LOTOU SHOWS PELO BRASIL E MORREU EM PLENO AUGE DA CARREIRA, EM 1996, EM UM ACIDENTE AÉREO EM SÃO PAULO, AINDA TEM FÃS DE TODAS AS IDADES

O FENÔMENO POP DO ESCRACHO

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO
Oito meses. A carreira dos Mamonas Assassinas durou só isso, interrompida pela morte precoce de sua trupe, num acidente de avião há 20 anos. O grupo é agora relembrado com um musical, que estreia no dia 11 em São Paulo, uma série de TV prevista para julho na Record (e, depois, na Fox) e um especial no “Arquivo N”, da Globo News, nesta quarta (2.mar).
Por que falamos deles até hoje? Quem viveu na década de 1990 sabe que a trupe liderada por Alecsander Alves, o Dinho, com roupas que homenageavam de “Chapolin” a “Star Trek”, encarnou com maestria o espírito de escracho de um país saído só dez anos antes da ditadura militar.
O primeiro e único disco, que tinha apenas 39 minutos e oito segundos e trazia a banda sob o desenho de grandes seios –já voltaremos a eles–, vendeu três milhões de cópias. Os cinco garotões na casa dos 20 anos, a maioria ex-office boy em Guarulhos (SP),estavam por todos os cantos, seja convidando o Brasil "para uma tal de suruba", no punk-fado "Vira-Vira", seja tomando as dores do ciborgue de “andar erótico” que se transforma num “ato cirúrgico”, na sci-sofrência de “Robocop Gay”. Ambas onipresentes nas festinhas infantis. Ah, anos 1990…
O ano em que estouraram, 1995, foi também o primeiro de Fernando Henrique Cardoso na Presidência. Bill Gates lançava seu Windows 95, e a Globo batia recordes de audiência com “A Próxima Vítima”. “Era impossível pensar que os Mamonas conseguiriam fazer sucesso neste grau”, diz Carlos Lombardi, que assina o roteiro da série de TV.
Se não impossível, no mínimo improvável. Afinal, Dinho, Júlio (o ruivo), Bento (com ascendência japonesa e cabelo rastafári) e os irmãos Sérgio e Samuel não tinham pedigree musical. Cresceram num conjunto habitacional de Guarulhos, o parque Cecap.
A aposta de que decolariam com o primeiro projeto musical, batizado Utopia, não passou disso aí. Venderam mal, uns cem discos. Em 1992, conheceram Rick Bonadio, produtor que também revelaria outras máquinas de hits, como Charlie Brown Jr. e CPM 22 no topo
Após cogitarem se chamar Os Cangaceiros do teu Pai e Tangas Vermelhas, o grupo foi de Mamonas Assassinas do Espaço –nome depois reduzido. Chegaram rápido ao topo.
Cobravam R$ 70 mil por show, uma fortuna para a época. Tocaram em 24 Estados e Brasília (menos Acre e Tocantins). Ganharam o Troféu Imprensa de melhor música em 1995. “Sabão Crá-Crá” foi tema de André Marques (que fez o Mocotó) em “Malhação”, na segunda temporada do novo fenômeno da Globo.
Após o acidente, o pai de Dinho, Hildebrando Alves, leiloou por R$ 95 mil a famosa Brasília amarela que aparece no clipe de “Pelados em Santos”, declaração à “pitchula” do cabelo “da hora”. “Me arrependi, porque a pessoa não cuidou direito”, diz.
Há quatro meses, recomprou peças do carro –que, segundo ele, foi desmontado num ferro-velho. Incorporou-as numa nova Brasília, estacionada em sua chácara.
O modelo original pertencia ao avô de uma ex-namorada de Dinho. Corretor de imóveis que precisava pegar muita estrada, Hildebrando sempre gostou da marca. “E, sabe como é, carro preto sujava muito, branco ninguém queria, prata não existia. A [cor] mais cheguei era a amarela.”
Já a origem de outro totem mamonesco, os peitos na capa do álbum, é incerta. A modelo Mari Alexandre, 41, conta que os Mamonas lhe disseram que seriam inspirados numa foto sua da “Playboy”. “Vou te falar, são iguais aos meus. Fiquei honrada.”
Amigo da banda “desde moleque”, André Oliveira, o Ralado, 43, defende que o busto era de outra. “Os peitos de que você está falando são na Nereide [Nogueira, ex-auxiliar de Milton Neves na TV].”
Outra polêmica envolve Marco Feliciano. Hildebrando ameaçou entrar na Justiça contra o pastor e deputado do PSC-SP. Queria acioná-lo por um vídeo de 19 anos atrás, em que o evangélico diz que “Deus fulminou aqueles que tentaram colocar palavras torpes na boca das nossas crianças”. Desistiu porque “Feliciano tem foro privilegiado”, afirma.
“A vida e a morte são atos de Deus”, diz hoje o pastor. O troco, para Hildebrando, veio quando Feliciano foi abordado por jovens num avião, que cantaram “Robocop Gay” para protestar contra projeto de lei para legalizar a “cura gay”, defendido pelo parlamentar. O vídeo dessa cena, de 2013, fez barulho na internet.
Evangélica da Assembleia de Deus, a mãe de Dinho lembrou em testemunho na igreja (gravado e publicado na internet) que o filho faria 25 anos três dias após a tragédia. “Na passagem do ano de 1995, [o filho] cumprimentou a todos, afastou-se e por mais de 40 minutos e, com as mãos erguidas, buscou ao Senhor em oração”, narra Célia Alves. Na contracapa, os Mamonas dedicam o CD a Deus, famílias, amigos, Gozales (“mexicano clandestino que arrumava nossos quartos no hotel”) e Santos Dumont, “que inventou o avião, senão a gente ainda tava indo mixar o disco a pé”.

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