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segunda-feira, 2 de junho de 2014

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Quadro da estatal tem 80% de terceirizados, inclusive em funções de concursados

RIO — Ao defender a gestão da Petrobras no embate com a oposição nas CPIs abertas no Congresso, o governo cita a realização de 18 concursos públicos desde 2003, que fizeram dobrar o quadro de efetivos da estatal nos mandatos de Lula e Dilma. Os número de concursados saltou de 40 mil para 86 mil. No entanto, a participação desses concursados no total da força de trabalho da Petrobras caiu pela metade nos últimos 12 anos. Isso porque, no mesmo período, houve uma explosão na contratação de terceirizados, que saltaram de 49 mil para 360 mil, um crescimento de mais de 630%. Nos últimos 12 anos, entraram “pela janela” dez vezes mais contratados indiretamente do que o total de concursados efetivados. Em 2002, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os concursados já eram minoria: 45% dos empregados. Hoje, eles são apenas 20% do quadro de trabalhadores da Petrobras. A contratação de terceirizados — que hoje ocupam 80% do quadro — não é ilegal, mas é proibida para as chamadas atividades-fim, relacionadas ao negócio principal da empresa, que são reservadas aos concursados, como determina o no artigo 37 da Constituição. São cargos como os de engenheiro, geólogo, economista, administrador, contador e até advogado, listados no plano de carreiras da estatal.
Hoje, para cada funcionário de carreira há quatro terceirizados trabalhando em diferentes áreas da companhia e de suas subsidiárias, de áreas administrativas a plataformas de produção de petróleo no mar. Essa relação ficará ainda mais desfavorável para os concursados a partir deste mês, quando começam a deixar a Petrobras os 8.300 funcionários efetivos que aderiram ao programa de demissão voluntária criado pela presidente da empresa, Graça Foster, para economizar cerca de R$ 13 bilhões até 2018. Ela indicou que pretende repor apenas 60% das vagas dos demissionários.

USO DE TERCEIRIZADOS É ALVO DE 30 AÇÕES JUDICIAIS
A ocupação de vagas como estas por terceirizados é alvo de pelo menos 30 ações judiciais propostas por sindicatos e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) desde a década passada. Em 2006, a estatal fez um acordo para regularizar a situação até 2010, que não foi cumprido. Os profissionais são admitidos como prestadores de serviços, contratados por empresas que, por sua vez, são contratadas pela Petrobras por projetos de, em média, quatro anos. Em tese, prestadores de serviços nem deveriam trabalhar nas dependências da Petrobras. Muito menos ter como chefes funcionários efetivos. Segundo o MPT, a empresa só deveria recorrer à contratação indireta para atividades complementares, como manutenção, vigilância, comunicação.
Segundo a estatal, as empresas terceirizadas montam suas equipes sem subordinação à Petrobras, mas de acordo com o projeto contratado. Não é o que dizem funcionários ouvidos pelo GLOBO sob a condição do anonimato. Eles reconhecem que a prática não é nova na estatal, mas vem aumentado nos últimos anos, levantando dúvidas sobre os critérios de escolha dos profissionais. Indicações até de parentes dos altos executivos e de políticos são comentadas nos corredores.
Listas telefônicas da estatal obtidas pelo GLOBO mostram as equipes das gerências formadas tanto por funcionários efetivos quanto por terceirizados, que podem ser identificados pelo nome da empresa contratante no endereço de email. Na Gerência Executiva de Programas de Investimentos da Diretoria de Gás e Energia, por exemplo, o gerente executivo, os cinco gerentes gerais e os 19 gerentes são concursados. Mas entre seus subordinados, efetivos e terceirizados se misturam. Na gerência de Energia, 21 dos 31 profissionais são terceirizados em posições como engenheiro, técnico em elétrica ou contabilista, também ocupadas por concursados.
— Fiscalizar plataforma em alto-mar, por exemplo, é uma atividade de alto risco que só deveria ser exercida por concursados, que têm melhor treinamento. Mas as plataformas estão cheias de terceirizados — diz o procurador do Trabalho Marcelo Fernandes da Silva, que há dez anos investiga a escalada das contratações indiretas na empresa. — A prestação de um serviço deve ser feita de forma autônoma ou sob liderança das empresas contratadas. Se o profissional está subordinado a um gerente da Petrobras, não é prestação de serviço. É mera intermediação de mão de obra.
A existência de concursados e terceirizados trabalhando lado a lado é a principal evidência encontrada pelos procuradores do trabalho e por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) realizada em 2010. Os auditores apontaram a dificuldade de diferenciar prestadores de serviço de caráter temporário dos terceirizados com funções permanentes, iguais às dos concursados. Foram encontrados funcionários com mais de 20 anos na Petrobras com contratos indiretos. Isso só é possível porque eles mudam de empresa a cada fim de contrato, num sinal de que gerentes da Petrobras fazem indicações para as prestadoras.
A demanda crescente leva a estatal a firmar contratos bilionários com várias intermediárias. Uma das maiores é a Hope RH, que aparece na lista de supostos beneficiários do esquema investigado pela Polícia Federal na Operação Lava-Jato. A empresa aparecia em documentos do ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, apreendidos quando ele foi preso. A Hope nega ter relações com ele.
Enquanto a terceirização cresce, a Petrobras deixa de convocar boa parte dos aprovados em seleções nos últimos anos, levando muitos à Justiça para prorrogar a validade de concursos e garantir a contratação. O MPT estima que mais da metade dos selecionados ainda não tenha sido chamada. A empresa disse já ter contratado 32.221 aprovados desde 2003, mas não informou o total de vagas oferecidas nos editais. O número de funcionários próprios subiu mais do que isso por causa da incorporação de funcionários de empresas adquiridas no Brasil e no exterior, como usinas termelétricas.
TERCEIRIZAÇÃO CAUSOU RACHA ENTRE SINDICATOS
Segundo a Petrobras, a estimativa de Graça de repor apenas 60% das vagas dos demissionários voluntários, feita em conversa com investidores, ainda é preliminar. Mesmo assim, o plano foi criticado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), representação sindical filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Líderes da FUP se reuniram com Graça na ultima sexta-feira para pedir reposição de 100% das vagas, mas ela não se comprometeu.
Emanuel Cancella, dirigente do Sindipetro-RJ, órgão dissidente da FUP, diz que as terceirizações foram um dos motivos do racha entre os sindicatos do setor no governo Lula. Ex-dirigentes da FUP chegaram a assumir a gerência de recursos humanos, mas não frearam as contratações indiretas:
— Essa foi uma das razões para a nossa saída da FUP. Em vez de acabar com a terceirização, os sindicalistas indicados pelo PT na Petrobras fizeram pior do que no governo anterior. Vangloriam-se dos concursos, mas mudaram o plano de cargos e fizeram a terceirização crescer avassaladoramente.
Em nota ao GLOBO, a Petrobras afirmou que, entre os 360 mil funcionários contabilizados como terceirizados, cerca de 165 mil trabalham em obras com claro caráter temporário e afirmou que o grande número de prestadores de serviço se justifica pelo aumento do volume de investimentos da companhia, cuja média anual cresceu dez vezes na última década. O plano de investimentos de 2014 a 2018 vai aplicar US$ 220 bilhões na exploração do pré-sal e na conclusão de refinarias atrasadas, entre outros programas, para aumentar a produção de petróleo e de derivados. O GLOBO tentou contato com representantes da FUP, mas não obteve retorno.

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