Murderer back on the crime scene - Forensic science
Em 2023, apenas 36% dos homicídios registrados no Brasil tiveram algum avanço em sua investigação, com ao menos um autor identificado e denunciado. Isso significa que, a cada três assassinatos, apenas um segue para possível responsabilização criminal. Os dados fazem parte do relatório Onde Mora a Impunidade?, elaborado pelo Instituto Sou da Paz, que analisou as mortes violentas registradas em todo o país no último ano.
No total, foram 24.195 homicídios contabilizados em 2023. A baixa taxa de esclarecimento confirma uma realidade persistente no sistema de justiça criminal brasileiro: a impunidade é mais comum do que a punição. Nos últimos nove anos, a média de homicídios dolosos ultrapassou 41 mil por ano, com índices de elucidação que raramente superaram os 37%. O levantamento aponta que não houve progresso significativo nesse período.
O instituto que produziu o estudo avalia que essa estagnação se deve à falta de investimento em estruturas de investigação. Enquanto ações ostensivas e operações de grande visibilidade recebem atenção e recursos, atividades investigativas mais técnicas e silenciosas seguem desvalorizadas, mesmo sendo fundamentais para o combate ao crime de forma duradoura.
Além disso, o perfil das vítimas também influencia a negligência. As mortes se concentram majoritariamente entre jovens negros que vivem em áreas periféricas. Por ocorrerem em regiões historicamente menos atendidas pelo poder público, esses casos tendem a receber menos esforço investigativo e menor priorização por parte das autoridades.
O levantamento destaca que o tempo é um fator determinante para o sucesso das investigações. A maior parte das denúncias ocorre ainda no ano em que o crime foi cometido. Quando esse prazo se alonga, as chances de responsabilização despencam. Elementos essenciais como o isolamento do local do crime, a coleta rápida de provas e os primeiros depoimentos podem ser decisivos, mas nem sempre são devidamente executados.
Outro obstáculo é a fragilidade das provas. Grande parte dos processos depende quase exclusivamente de testemunhos, sem o suporte de evidências técnicas ou científicas. Essa limitação reduz a efetividade da Justiça e aumenta a margem de erro.
O estudo também revela disparidades profundas entre os estados. Enquanto o Distrito Federal alcançou 96% de esclarecimento dos homicídios em 2023, a Bahia teve o pior resultado nacional, com apenas 13%. É o segundo ano consecutivo em que o estado registra o índice mais baixo. Rondônia, por outro lado, também apresentou um desempenho positivo, com 92%. Já São Paulo, que historicamente liderava os rankings, teve seu pior resultado da série histórica: apenas 31% dos homicídios foram esclarecidos.
Essa desigualdade entre as unidades da federação reforça a ausência de um padrão nacional de qualidade nas investigações. Faltam diretrizes claras, recursos humanos qualificados e tecnologias adequadas para dar conta da complexidade desses crimes.
O relatório ainda traz um dado que revela contradições do sistema prisional brasileiro. Apesar do crescimento de 900% na população carcerária desde 1990, somente 13% dos presos respondem por homicídio. A maioria das prisões está relacionada a crimes patrimoniais e tráfico de drogas, delitos que costumam levar a flagrantes e respostas mais imediatas. Isso sugere que o sistema penal é mais eficaz em punir infrações menos graves do que em resolver assassinatos.
Mesmo diante desse cenário, o estudo aponta um possível avanço. A partir do diálogo entre investigadores de todo o país, foi criada uma metodologia padronizada para medir a taxa de esclarecimento dos homicídios. O modelo já foi entregue ao Ministério da Justiça, que poderá regulamentá-lo oficialmente até o fim do ano. A expectativa é de que, com essa padronização, os estados passem a ser cobrados regularmente por seus resultados e sejam incentivados a melhorar a eficiência das investigações.