Num flagrante de má gestão pública, cresceu nos últimos anos o número de assembleias legislativas que estão com os gastos com pessoal no vermelho. Enquanto em 2011, início da atual legislatura, eram quatro legislativos gastando mais do que o estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ou muito perto de atingir o limite máximo, atualmente são seis. A lista de pendurados pode ser ainda maior, já que em muitos estados as assembleias estão recorrendo a artifícios contábeis para maquiar as despesas e driblar a LRF.
O GLOBO analisou na semana passada os balancetes fiscais de 2011 a 2013. Por lei, as assembleias são obrigadas a divulgar o documento a cada quatro meses. Neles, fica claro um comportamento-padrão na maioria das casas legislativas no sentido oposto ao que pregam as boas práticas de gestão pública.
De maneira geral, elas têm aumentado a cada ano o peso da folha de pagamento sobre o orçamento. O resultado disso é uma redução dos recursos para investimentos e melhorias no funcionamento dos legislativos. O efeito prático já pode ser percebido em alguns estados, com assembleias funcionando com instalações e condições de trabalho precárias.
Em Alagoas, falar com deputados e funcionários somente é possível por celulares. O sistema de telefonia fixa da Assembleia não funciona. O detalhe é que o Legislativo alagoano está entre os que têm os maiores índices de gasto com pessoal. Em 2011, ele comprometia 1,73% do orçamento (da receita corrente líquida) com a folha de pagamento; em 2013 esse índice passou para 2,16%.
Sem energia elétrica
Na Paraíba, em outubro passado, uma pane elétrica deixou às escuras a Assembleia. A sessão que ocorria no plenário precisou ser interrompida, e, até hoje, o prédio está fechado para reforma. Setores que não podem deixar de funcionar estão alocados em prédios anexos do Legislativo.
A previsão é que o edifício principal seja aberto este mês. Nos últimos três anos, o Legislativo paraibano fez um esforço para reduzir o peso dos gastos com pessoal. Presidente do sindicato dos funcionários do Legislativo, Hélio Gomes, descreveu as condições em que a assembleia funcionava:
- O prédio foi construído numa época em que não havia computadores nem ar condicionado. Não aguentou a sobrecarga e deu a pane. Nós já havíamos solicitado melhorias no prédio antes do problema porque as condições de trabalho eram desumanas. Tinha servidor que ia para casa trabalhar porque não tinha computadores nem espaço suficientes. Para você ter uma ideia, a fiação de telefonia e dos computadores passava junto dos cabos de energia – disse Gomes.
Apesar da alta despesa com salários, a Assembleia de Alagoas não aparece na lista das que estão no vermelho porque, no fim de 2013, os deputados alagoanos decidiram alterar por conta própria os limites impostos pela LRF – de 2% para 3%. Segundo o Ministério Público Estadual, a medida é inconstitucional e pode abrir uma brecha perigosa se for adotada em outros estados.
- Os deputados aprovaram um dispositivo que aumentou de 2% para 3% o limite de gasto com pessoal numa afronta à autonomia do Legislativo federal e da União, que são os entes autorizados a fazer esse tipo de mudança – afirmou o procurador-geral de Contas de Alagoas, Pedro Barbosa.
Para piorar, Barbosa diz que os índices de gastos apresentados pela Assembleia não correspondem à realidade porque a direção da Casa tem excluído dos cálculos a despesa com inativos. Há, pelo menos, 20 procedimentos investigatórios em andamento contra a Assembleia alagoana por suspeita de desvio de recursos públicos da folha de pessoal. No ano passado, toda a Mesa Diretora foi afastada por decisão da Justiça. Atualmente, todos estão de volta às funções.
De acordo com os balancetes apresentados pelos legislativos, estão no vermelho Pará, Rio Grande do Norte – que já ultrapassaram o limite legal para gasto com pessoal -, Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima e Tocantins – que superaram o limite de alerta da LRF e estão muito perto do teto máximo. O GLOBO não conseguiu acesso aos dados de 2013 de dois estados: Acre e Piauí. O jornal procurou a direção dessas assembleias, mas nenhuma delas se manifestou.
Quem extrapola o limite determinado por lei pode sofrer sanções da União, como ficar impedido de receber transferências de recursos federais e contrair empréstimos. A LRF dá prazo de oito meses para a assembleia reajustar a despesa. Mas, para evitar o sufoco, manobras para maquiar os índices são o caminho mais escolhido pelos legislativos estaduais.
- Não contar o Imposto de Renda Retido na Fonte é a manobra mais antiga para driblar a LRF. Logo depois da lei, o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul criou essa saída – explica o economista José Roberto Afonso.
- Não contar o Imposto de Renda Retido na Fonte é a manobra mais antiga para driblar a LRF. Logo depois da lei, o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul criou essa saída – explica o economista José Roberto Afonso.
O Globo